sábado, 6 de maio de 2017

Galos, noites e quintais

Não me incluo entre os admiradores do cantor e compositor Belchior, recentemente falecido, e cujo surgimento na cena musical nos anos 70 movimentou um cenário cabisbaixo e triste de um período sombrio de nosso país. 

Mas gosto de algumas canções, cujo exemplo maior talvez seja Como nossos pais, graças também ao furor interpretativo de Elis, em um show e disco inesquecíveis como Falso Brilhante. Caso contrário, Como nossos pais não passaria de mais um discurso ressentido de uma geração sem rumo, que continuou sendo, independente de Elis.

Conheço grande parte de sua discografia e fica claro em suas longas e discursivas canções a influência de pensadores religiosos, como Santo Agostinho e São Francisco de Assis, de leitor d’Os Lusíadas , da Divina Comédia e ouvinte de trovadores contemporâneos como Bob Dylan, por exemplo. Essa preciosa base intelectual confirma que a densa poesia de Belchior podia ser um delírio, mas “meu delírio é a minha experiência com coisas reais”, como cantou em uma de suas músicas.

Mas, quero registrar uma de suas mais belas canções, Galos noite e quintais, parte da nostalgia de um tempo feliz e a tristeza do tempo negro quefez comigo o mal que a força sempre faz”.
 Quando eu não tinha o olhar lacrimoso,
que hoje eu trago e tenho
Quando adoçava meu pranto e meu sono,
no bagaço de cana do engenho
Quando eu ganhava esse mundo de meu Deus,
fazendo eu mesmo o meu caminho,
por entre as fileiras do milho verde que ondeia,
com saudade do verde marinho
Eu era alegre como um rio,
um bicho, um bando de pardais
Como um galo, quando havia…
quando havia galos, noites e quintais
Mas veio o tempo negro e,
à força, fez comigo o mal que a força sempre faz
Não sou feliz, mas não sou mudo: hoje eu canto muito mais.

Foto: Belchior

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