Não me incluo entre os admiradores do cantor e compositor Belchior, recentemente falecido, e cujo
surgimento na cena musical nos anos 70 movimentou um cenário cabisbaixo e
triste de um período sombrio de nosso país.
Mas gosto de algumas canções, cujo
exemplo maior talvez seja Como nossos
pais, graças também ao furor interpretativo de Elis, em um show e disco inesquecíveis como Falso Brilhante. Caso contrário, Como nossos pais não passaria de mais um discurso ressentido de uma
geração sem rumo, que continuou sendo, independente de Elis.
Conheço grande parte de sua discografia e fica claro em suas
longas e discursivas canções a influência de pensadores religiosos, como Santo Agostinho e São Francisco de Assis, de leitor
d’Os Lusíadas , da Divina Comédia e ouvinte de trovadores
contemporâneos como Bob Dylan, por
exemplo. Essa preciosa base intelectual confirma que a densa poesia de Belchior podia ser um delírio, mas “meu
delírio é a minha experiência com coisas reais”, como cantou em uma de suas
músicas.
Mas, quero registrar uma de suas mais belas canções, Galos noite e
quintais, parte da nostalgia de um tempo feliz e a tristeza do tempo negro que “fez comigo o mal que a força sempre faz”.
Quando eu não
tinha o olhar lacrimoso,
que hoje eu
trago e tenho
Quando adoçava
meu pranto e meu sono,
no bagaço de
cana do engenho
Quando eu
ganhava esse mundo de meu Deus,
fazendo eu
mesmo o meu caminho,
por entre as
fileiras do milho verde que ondeia,
com saudade do
verde marinho
Eu era alegre
como um rio,
um bicho, um
bando de pardais
Como um galo,
quando havia…
quando havia
galos, noites e quintais
Mas veio o
tempo negro e,
à força, fez
comigo o mal que a força sempre faz
Não sou feliz,
mas não sou mudo: hoje eu canto muito mais.
Foto: Belchior
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