quinta-feira, 26 de janeiro de 2012

A próposito da partida de um contemporâneo.

Não me causa espanto, tristeza ou impertinentes lembranças do passado, a velhice.  Sinto como algo que se instaurou muito depressa em minha vida e cuja contagem do tempo parece obedecer a outro pêndulo que não o das horas, dias, meses e anos. A passagem do tempo em meu rosto, meu corpo, minhas mãos, cabelos são sinalizadores, e por definição característico, de que meu caminho por aqui está chegando, a uma velocidade que não sei precisar, ao fim.
No entanto, embora o “calendário insista em contrariar”, os fatos que compõem a minha vida continuam exalando um frescor de ontem e não de “naquele tempo”. 

O curso primário, escolas, professores, colegas são lembranças vivas em que pese a perda do contato com tantas pessoas e lugares por tanto tempo, isto por contingências que não invalidam o fato, ainda que os lugares não mais existam ou se as pessoas partiram por caminhos que nunca mais nos puseram frente à frente.  Às vezes dói rever o Ginásio onde cursamos o segundo grau, como a sua primeira turma de concluintes, ser utilizado de modo diferente daquele planejado e construído pela abnegação de tantas famílias. Ali foi e seria a casa difusora de cultura e conhecimento para seus filhos, cuja limitação financeira dos pais, se viam impedidos de buscar seminários e internatos em outras cidades tão distantes de lá.
Andar de trem do Leste Brasileiro até Senhor do Bonfim, Juazeiro ou buscar tratamento médico contra esquistossomose em Jacobina foram viagens cujo encantamento proporcionado pelo meio de transporte, não se repetiu com as primeiras viagens de ônibus pela empresa São Francisco até Salvador. Talvez pelas lembranças amargas dos atoleiros em que caíamos no longo percurso da viagem, antes do asfaltamento da Estrada do Feijão. O trem não atolava, se muito descarrilava o que passava a ser também, um acontecimento quando ocorria.

O primeiro cigarro, a primeira pinga mineira, a primeira namorada, o primeiro baile com orquestra e o rosto colado, as mãos trêmulas tentando tranqüilizar a dama em busca do rodopio perfeito por entre os casais com dois prá lá, dois prá cá, cuja sincronia só depois de algum tempo era conseguida. Enfim, em paz, deslizávamos felizes nossos corpos até os acordes finais quando embalávamos a próxima parte, numa noite sem fim, inesquecível.

Conheci o mar através das fotografias da revista O Cruzeiro, que a mana comprava aos domingos na Estação da Leste, em determinado vagão do trem, durante o embarque e desembarque de passageiros. Nesses dias a cidade, através da Estação da Leste, experimentava um movimento incomum em torno daqueles que iam, dos que chegavam e dos que eram acompanhados em suas despedidas e das saudações os que partiam e aos que voltavam.
O mar de fato veio até meus olhos através de uma visão obtida na Praça Municipal, por uma balaustrada ao lado do Elevador Lacerda. Alguns longos minutos de contemplação foram suficientes para definir como a imagem de maior impacto que a capital pode causar nas retinas de mais um retirante nordestino. O mar nunca mais me deixou, seja pelas canções de Caymmi que escuto desde então ou pela beleza única do mar azul da Bahia.

São algumas pequenas lembranças de uma trajetória que hoje aniversaria e cujo presente maior é ser parte da vida de Camila, Shirley e Moema, como sei que sou parte de suas vidas.
19/05/2009 - 20:01  (Recolhido dos escombros do blog Bazo Borges que mantive até bem pouco tempo na IG)

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