Ao contrário de Drummond que se disse cansado de ser moderno querendo, no entanto, ser eterno, Gal trilha caminho inverso deixando a eternidade na música popular, em busca, mais numa vez, de uma modernidade em que ela na música brasileira já foi porta-voz. Foi a voz feminina do tropicalismo, das experimentações estéticas de Caetano naquele movimento que sacudiu e revolucionou a nossa música. Pois é este mesmo Caetano que tomou Gal pelos braços ou pela voz e a jogou no caldeirão eletrônico de sons, ruídos, estridência de guitarras, distorções, batidas de pista de dança que rodeiam a voz de Gal para os versos dele, o idealizador do disco.
Novamente eles estão juntos, assim como no inicio de suas carreiras em Domingo em que Gal empresta a sua voz às canções bem comportadas e clássicas de Caetano, nos idos de 1967. A Gal de Recanto está há anos luz de distância de Domingo. Estranho, moderno, eletrônico e anticomercial. Duvido que a gravadora Universal que lançou o disco, neste dezembro/2011, tivesse a ousadia de lançá-lo em outros tempos, naquele em que um artista alcançava a soma de hum milhão de CDs vendidos, já que nos tempos de agora em que ninguém compra CD mesmo, a multinacional apenas capitaliza e registra o ato criador e interpretativo destes dois ícones de nossa música. Não adquiri o disco como tantos não compraram nem irão e, já ouvi e estou ouvindo as 11 faixas deste que sem dúvida será o disco mais discutido deste final de ano.
Recanto começa com a voz sombria de Gal em Recanto escuro, em que os versos são cantados/declamados envoltos em sons esparsos sem que cheguem a configurar um ritmo, apenas pontuam o bonito texto. A voz de Gal afinada e precisa, embora sem o frescor e o viço de outrora, recebe um quase tratado do ato de cantar em Autotone aerótico. Não há samba, canção, rocks, fox ou baião apenas a voz de Gal e os versos de Caetano em achados poéticos que confirmam o grande poeta e letrista que quando acerta é insuperável. Aliás, os ritmos estão presentes em Neguinho e em Miami Maculelê, onde os tambores da Bahia se fundem com o funk carioca e versos do hip hop que tendem alcançar o amplo espectro da modernidade pretendida. Estas canções talvez sejam as únicas a figurarem nas programações das rádios FMs, o que talvez não signifique nada, a não ser a divulgação do novo canto de Gal, como sonham os diretores da Universal. Perfeitamente dispensável, já que Recanto deverá ser cultuado pelos seus antigos seguidores ou pelos adeptos dessas excentricidades musicais que Caetano soube tão bem retratar.
O disco foi composto quase integralmente por Caetano para este projeto tocado por Gal, mas há um lugar para uma canção de 1999, também de Caetano, e entregue à época a interpretação de Jane Duboc, que é Mansidão. Uma das mais belas melodias de Caetano, Mansidão, na voz de Gal a canção não chega a fazer sombra a bela interpretação de Jane, que encontrou a sua interpretação perfeita e definitiva. Recanto é um momento único na carreira de Gal, podendo será amado e odiado com a mesma intensidade sem que, no entanto, quaisquer dos lados estejam sendo injustos. Do meu lado, pretendo ouvir muitas vezes mais e, captar os seus versos, suas estranhas melodias e sons, mas de antemão quatro canções já me conquistaram e estarão presentes em meu MP4: Recanto escuro, Neguinho, Miami Maculelê, Autotone auterótico e sei que outras virão. Ponto para a ousadia de Gal.
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