Como tantos brasileiros, todos nós vivemos dias de espanto e euforia cívica, com a população ocupando as ruas das capitais do país, demonstrando uma inquietação e uma coragem de quem parece dizer: “não dá mais prá segurar”. Coragem que a truculência policial não arrefece e as manifestações se sucedem e se espalham com um furor que já atinge grande parte do interior, fazendo a força da indignação só aumentar.
O governador de São Paulo, onde tudo começou, pressionando pelas autoridades locais e mesmo por organismos internacionais como a Comissão de Diretos Humanos da ONU, recuou quanto à violência policial empregada nas primeiras manifestações e tomou a decisão, segundo a cínica cartilha tucana, que não mais permitiria o uso de balas de borracha, sendo mantidos os demais itens do receituário fascista. Chega lembrar outro político paulista, também de triste memória, que diante de um quadro de estupro seguido de morte sentenciou: “Pô, estupra, mas não mata!” Revelando a incapacidade em compreender que tanto uma situação como a outra são violências inaceitáveis contra o ser humano, em especial contra a mulher.
Os excessos que veem se verificando nestas manifestações e que são atribuídos a baderneiros, criminosos e vândalos se são inaceitáveis, são pelo menos compreensíveis. Ali, no numeroso contingente de manifestantes, marcham aqueles que perderam irmão, filho ou mãe vítima de uma bala perdida disparada por um policial ou bandido, tanto faz; alguém que carrega a dor de ter seu pai morto na fila do INSS ou da mãe que padece de câncer, com exame marcado pelo SUS para novembro, enquanto a doença silenciosa avança até a morte; jovens em busca de uma vaga em portas de fábricas que amargam a desilusão do desemprego; pais de família que não conseguem fitar os olhos de seu filho, trazendo no bolso, a cada mês, os R$678,00 recebidos a título de salário, que não saciam as mais elementares necessidades adultas, tampouco infantis.
São dramas humanos específicos, diferenciados, mas que no calor da refrega, das reivindicações, das palavras de ordens, do ódio represado ante as injustiças sociais vividas ou ouvidas, explodem unificados e incontroláveis com as consequências de quaisquer atitudes de quem sabe “a dor e a delicia de ser o que é”.
Foto: Manifestante