Por ser de lá do sertão trago no peito uma fogueira acesa de São João; noites frias de junho, céu estrelado, balões, milho assado, canjica e licor. Pouco tempo depois arrastava a “mala de couro forrada com pano forte, brim caqui”, seguindo prá capital, assim como tantos que migraram, deixando prá trás a mãe, o pai, os irmãos, os amigos, a namorada, o luar do sertão. E como tantos, desembarquei nas ruas do carnaval de Salvador atrás da invenção de Dodô e Osmar, que Caetano popularizou e, o sertão passou a ser páginas da literatura de Graciliano Ramos, José Lins do Rêgo, como se eu não fosse de lá.
Vi nascer a “axé music”, sem imaginar no monstro que se tornaria, fantasiado no Broco do Jacu, Amigos do Barão, Camaleão e por fim Os Embaixadores onde encerrei a minha carreira de folião carnavalesco. Quando o fenômeno da dita cuja virou uma explosão nacional, carreando milhões de reais para as contas bancárias de estrelinhas descartáveis, gerando subprodutos mais ordinários que a matriz, como o famigerado pagode baiano, eu já estava em casa resmungando, feito um velho ranzinza, que só as festas juninas nos salvariam.
Ledo engano. Como um polvo insaciável a “axé music” foi abarcando, absorvendo, se imiscuindo com todos os outros ritmos que lhe atravessava o caminho, até desaguar nesta coisa inominável que é o “sertanejo universitário”. O titulo é de uma profissão de fé elogiável, um gesto de humildade e de desimportância comovente. Só mesmo universitários que passam pelas redações do ENEM; que preenchem a extensa fila de reprovados da OAB; que confundem bisturi com estilete escolar nos procedimentos médicos das clínicas e hospitais públicos; que nas cooperativas agropecuárias custam a identificar a diferença entre o nabo e o pepino, uma folha de alface, de uma de espinafre poderiam compor (?) e ser protagonista de tamanha indigência musical. Pois é o sertanejo universitário que nos espreita e nos espera aqui, ali, acolá, onde deveria estar o forró.
Não há mais sertão, carnaval, São João, só “eu e você/girando na vitrola sem parar/eu fico comovido de lembrar/o tempo e o som/Ah, como era bom/mas chega de saudade/a realidade é que aprendemos com João/prá sempre ser desafinado/ser desafinado/ser./Chega de saudade... chega de saudade... chega de saudade”.
Foto: Ilustrativa
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