quinta-feira, 16 de fevereiro de 2017

Eu não matei Jesus



Na sala de visita da nossa casa, na Praça Getúlio Vargas, quase em frente a porta de entrada, havia na parede um quadro de Coração de Jesus, emoldurado por uma madeira escura que dava suporte e sustentação a uma cobertura abaulada de vidro, cobrindo toda a gravura religiosa. 

Na parte interna do quadro, contornado a moldura, brilhava uma sequência de pequenas lâmpadas, destas utilizadas na decoração natalina, que ao entardecer eram ascendidas pelas manas encarregadas diariamente deste festival feérico de luzes acesas e piscando ante a escuridão dos demais cômodos da casa.

O conjunto era bonito de apreciar, até que uma luz vermelha ao lado esquerdo do quadro expunha o coração de Jesus em uma explosão avermelhada, como uma hemorragia, que assustava mais que atraía por qualquer beleza que pudesse haver naquele misto de filme de terror e explícita religiosidade. 

A beleza e o medo não podiam conviver num mesmo momento, então ficava somente o medo, este sentimento de culpa com que a Igreja Católica por séculos e séculos lidou e espalhou entre os fieis, de que os nossos pecados eram de fato o sofrimento de Jesus.

Dia desses, descendo a Rua da Ajuda, até uma saída pela Ladeira de Praça, passei por uma das muitas casas de antiguidades existentes na área e, dei de cara com um quadro de Coração de Jesus. Não exatamente o da nossa casa, mas a semelhança era muito grande e aumentou quando, sem que eu ou algum visitante da loja pedisse, o funcionário pôs o quadro em funcionamento. 

As luzes começaram a piscar, o coração de Jesus a explodir e eu tomado por lembranças infantis e familiares olhei para a porta de entrada da loja e por pouco não sai correndo, arrastando os meus pecados ante aquele assustador sentimento de culpa: “eu não matei Jesus”.

Bazo Borges: Publicado em Junho/15

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