Na sala de visita da nossa casa, na Praça
Getúlio Vargas, quase em frente a porta de entrada, havia na parede um
quadro de Coração de Jesus, emoldurado por uma madeira escura que dava
suporte e sustentação a uma cobertura abaulada de vidro, cobrindo toda a
gravura religiosa.
Na parte interna do quadro, contornado a moldura, brilhava
uma sequência de pequenas lâmpadas, destas utilizadas na decoração natalina,
que ao entardecer eram ascendidas pelas manas encarregadas diariamente
deste festival feérico de luzes acesas e piscando ante a escuridão dos demais
cômodos da casa.
O conjunto era bonito de apreciar, até
que uma luz vermelha ao lado esquerdo do quadro expunha o coração de Jesus
em uma explosão avermelhada, como uma hemorragia, que assustava mais que atraía
por qualquer beleza que pudesse haver naquele misto de filme de terror e
explícita religiosidade.
A beleza e o medo não podiam conviver num mesmo
momento, então ficava somente o medo, este sentimento de culpa com que a Igreja
Católica por séculos e séculos lidou e espalhou entre os fieis, de que os
nossos pecados eram de fato o sofrimento de Jesus.
Dia desses, descendo a Rua da Ajuda,
até uma saída pela Ladeira de Praça, passei por uma das muitas casas de
antiguidades existentes na área e, dei de cara com um quadro de Coração de
Jesus. Não exatamente o da nossa casa, mas a semelhança era muito grande e
aumentou quando, sem que eu ou algum visitante da loja pedisse, o funcionário
pôs o quadro em funcionamento.
As luzes começaram a piscar, o coração de Jesus
a explodir e eu tomado por lembranças infantis e familiares olhei para a porta
de entrada da loja e por pouco não sai correndo, arrastando os meus pecados
ante aquele assustador sentimento de culpa: “eu não matei Jesus”.
Bazo Borges: Publicado em Junho/15
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