sexta-feira, 3 de novembro de 2017

Meus mortos

Poucas vezes fui ao cemitério de minha cidade. Até mesmo naquelas ocasiões  em que teria de levar meus próprios mortos. Afinal não se vai a cemitério, nem se é convidado a ir, a não ser impelido por duros sentimentos de perda e desamparo.

Quando Pedro, meu pai, deixou a nossa casa pela porta principal do número 13 da praça, fiquei com meus nove anos agarrado à mãe Maria, procurando entender entre estupefato e triste o que seria de nós sem ele. A nossa casa escureceu. Não apenas pelo luto preto  trajado em nossas vestimentas diárias, mas pela incerteza daqueles dias que se seguiram na contagem de um outro tempo.

Os manos conduziriam as suas e as nossas vidas, agora, sob o olhar contemplativo e distante de mãe Maria. Ela própria também nos deixaria oito anos depois. Era uma morte anunciada, prevista, que acompanhávamos solidários todas as noites, a cada crise, seu definhamento e nem assim menos morte.

Enquanto o cortejo que a levou já voltava disperso pelas ruas da cidade, sacolejávamos com a mana, dentro de um carro de praça que se arrastava entre buracos, lama, desvios naquela que seria a mais importante via da região, a estrada do feijão.

Ontem, em visita aos meus, quando voltava da sua morada, parei em um dos bares que aprisionam o cemitério, e pensei em pedir que a sua música estridente cessasse pelo menos um dia em respeito aos mortos, mas decidi pelo silêncio, já que ninguém compreenderia qualquer trégua naquela histeria musical. 

Foto: Ilustrativa

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