sexta-feira, 15 de março de 2013

Os agudos de Gal já não são mais os mesmos.

É natural e compreensível que a nossa voz com o passar dos anos sofra as mutações próprias da idade, passando de aguda a mais ou menos grave, de brilhante afinação para certos deslizes sonoros, deixando de atingir certos recantos luminosos da voz. A cantora baiana Gal Costa, uma das mais belas e afinadas vozes de nossa música, é apenas um exemplo de como os seus agudos já não conseguem atingir regiões altíssimas na emissão da voz, que já foi possível, alem de marca, como quando era uma jovem artista tropicalista no final dos anos 60.
 
Quem acompanha a carreira de Gal desde o inicio é testemunha de gravações de seus primeiros discos em faixas como Sebastiana, Meu nome é Gal, Eu sou terrível, Acauã, Índia sem falar em Vapor barato e Dê um rolê, do antológico show e disco Fa-tal, em que a voz de Gal passeia por onde ela queria e ia bem, muito bem. Os exemplos se espalham por quase toda a sua discografia e, apenas como exemplo emblemático de seus agudos e afinação, recorro a sua gravação com o guitarrista Robertinho de Recife para Meu nome é Gal. Em determinado momento da faixa a voz de Gal se confunde com o som extraído da guitarra ao emitir e imitar o som da palavra Gal registrada no disco Gal Tropical que celebra os seus 10 anos de carreira.

Como o artista tem, em geral, uma vida longeva e quase sempre brilhante é preciso que se tenha o cuidado em adequar arranjos e repertórios ao estágio que sua voz vai adquirindo com o passar dos anos. Se tivesse tido este cuidado e esta consciência de que algo mudou com seus agudos, Gal talvez tivesse evitado a derrapada e a ruidosa desafinação em recente show em São Paulo ao tentar interpretar como há 40 anos a canção raivosa Divino, Maravilhoso, de Caetano e Gil. Nesta canção, participante do IV Festival da TV Record, a tropicalista Gal soltou os bichos, incorporando uma Janis Joplin cabocla entre gritos, urros, cara enfezada como se estivesse mandando recado para os ditadores de plantão; e estava. Aos 66 anos, como hoje, mesmo que se mantenha uma aparente jovialidade física, a voz, a mente, o corpo já não acompanha nem vive de aparência. Ou se é ou não se é; a voz já não era mais a mesma.

Foto: LP Legal - Gal

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