É natural e compreensível que a nossa voz com o
passar dos anos sofra as mutações próprias da idade, passando de aguda a mais
ou menos grave, de brilhante afinação para certos deslizes sonoros, deixando de
atingir certos recantos luminosos da voz. A cantora baiana Gal Costa, uma das mais belas e afinadas vozes de nossa música, é
apenas um exemplo de como os seus agudos já não conseguem atingir regiões altíssimas
na emissão da voz, que já foi possível, alem de marca, como quando era uma
jovem artista tropicalista no final dos anos 60.
Quem acompanha a carreira de Gal desde o inicio é testemunha de
gravações de seus primeiros discos em faixas como Sebastiana, Meu nome é Gal, Eu sou terrível, Acauã, Índia sem falar
em Vapor barato e Dê um rolê, do antológico show e disco
Fa-tal, em que a voz de Gal passeia por onde ela queria e ia
bem, muito bem. Os exemplos se espalham por quase toda a sua discografia e,
apenas como exemplo emblemático de seus agudos e afinação, recorro a sua
gravação com o guitarrista Robertinho de
Recife para Meu nome é Gal. Em
determinado momento da faixa a voz de Gal
se confunde com o som extraído da guitarra ao emitir e imitar o som da palavra Gal registrada no disco Gal Tropical que celebra os seus 10
anos de carreira.
Como o artista tem,
em geral, uma vida longeva e quase sempre brilhante é preciso que se tenha o cuidado
em adequar arranjos e repertórios ao estágio que sua voz vai adquirindo com o
passar dos anos. Se tivesse tido este cuidado e esta consciência de que algo
mudou com seus agudos, Gal talvez
tivesse evitado a derrapada e a ruidosa desafinação em recente show em São Paulo ao tentar interpretar como há
40 anos a canção raivosa Divino,
Maravilhoso, de Caetano e Gil. Nesta
canção, participante do IV Festival da
TV Record, a tropicalista Gal
soltou os bichos, incorporando uma Janis
Joplin cabocla entre gritos, urros, cara enfezada como se estivesse mandando
recado para os ditadores de plantão; e estava. Aos 66 anos, como hoje, mesmo
que se mantenha uma aparente jovialidade física, a voz, a mente, o corpo já não
acompanha nem vive de aparência. Ou se é ou não se é; a voz já não era mais a
mesma.
Foto: LP Legal - Gal
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