Martha Medeiros
Morre lentamente quem não troca de idéias, não
troca de discurso, evita as próprias contradições.
Morre lentamente quem vira escravo do hábito,
repetindo todos os dias o mesmo trajeto e as mesmas compras no supermercado.
Quem não troca de marca, não arrisca vestir uma cor nova, não dá papo para quem
não conhece.
Morre lentamente quem faz da televisão o seu guru e seu parceiro diário. Muitos
não podem comprar um livro ou uma entrada de cinema, mas muitos podem, e ainda
assim alienam-se diante de um tubo de imagens que traz informação e
entretenimento, mas que não deveria, mesmo com apenas 14 polegadas, ocupar
tanto espaço em uma vida.
Morre lentamente quem evita uma paixão, quem
prefere o preto no branco e os pingos nos is a um turbilhão de emoções
indomáveis, justamente as que resgatam brilho nos olhos, sorrisos e soluços,
coração aos tropeços, sentimentos.
Morre lentamente quem não viaja quem não lê quem não ouve música, quem não acha
graça de si mesmo.
Morre muita gente lentamente, e esta é a morte mais
ingrata e traiçoeira, pois quando ela se aproxima de verdade, aí já estamos
muito destreinados para percorrer o pouco tempo restante. Que amanhã, portanto,
demore muito para ser o nosso dia. Já que não podemos evitar um final
repentino, que ao menos evitemos a morte em suaves prestações, lembrando sempre
que estar vivo exige um esforço bem maior do que simplesmente respirar.
Fragmentos
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