quarta-feira, 17 de julho de 2013

O sino dourado.

Tínhamos chegado a Belo Horizonte, juntamente com Moema, procedente de Ouro Preto (o Pelourinho que deu certo), onde passamos 05 dias e estávamos em trânsito com destino a São Paulo. Na capital mineira ficaríamos o tempo suficiente para conhecermos o que o Guia Quatro Rodas e seus mapas intrincados pudessem nos indicar, além do Centro da cidade onde nos hospedamos. Chegamos cansados já no final da tarde e não mais sairíamos à noite, limitando-nos a um tira gosto e algumas poucas cervejas no bar e restaurante em frente ao nosso hotel.

Era sexta feira, início de noite, e o bar apresentava um movimento discreto, mas com prenúncio de casa cheia e muitas águas a serem roladas. Em pé no balcão, um senhor de cabelos grisalhos, com aparência de visitante e muito falante, dispunha entre os copos e garrafas já entornadas, algumas lembranças de Minas como reproduções das obras do Aleijadinho em pedra sabão e um grande e reluzente sino de metal dourado. Depois ficaríamos sabendo que o bar tinha uma reputação de pau de galinheiro, funcionando como ponto de mariposas noturnas em busca de abrigo, entre outras compensações. Não demorou muito tempo e elas começaram a aparecer. Ficavam invariavelmente em pé, por toda a extensão do balcão, com vista para a bem movimentada e larga avenida. O traje pela sua explicitude era mais óbvio que uma Carteira de Trabalho ou um currículo de atividades profissionais: bota cano longo, mini saia curta, peruca de cabelos lisos, cigarro nos dedos e a sempre presente bolsa a tiracolo. O senhor de cabelos grisalhos já pela bola sete e prá lá da Pampulha, logo se entrosou com as duas companheiras de balcão ou foram às mariposas que se chegaram ao solitário e alegre turista, tanto faz.

Enquanto isto, o samba de Gonzaguinha ecoava por todo recinto derramando tanto otimismo quanto espuma dos copos de cerveja: “eu sei, que a vida podia ser bem melhor e será/ Mas isso não impede que eu repita, é bonita, é bonita e é bonita./ Viver e não ter a vergonha de ser feliz”. Vergonha era o que menos contava naquela lambança mineira. O turista e as meninas já estavam no perigoso terreno do olho no olho, mão na mão, pensamento nas nuvens, cochicho ao pé de ouvido, muita risadaria e safadeza. Todo o restaurante já estava atento à desenvoltura do animado trio. A musiquinha com o prefixo do “Jornal da Globo” trouxe o nosso personagem de volta a realidade. O turista enamorado não se deu conta que as horas costumam conspirar contra os apaixonados. O tempo do amor prescinde de segundos, minutos...

Sem que quase ninguém percebesse, e num rompante digno de um maratonista, pagou a parte da despesa que lhe cabia, recolheu as imagens dos profetas, os santos, o resto das quinquilharias em pedra sabão e voou em direção a um táxi, estacionado na porta do bar, esquecendo no balcão o reluzente sino.

As companheiras que não foram avisadas nem notaram a sua saída, agora estavam sendo cobradas pelo gerente, o equivalente à sua parte na farra. A julgar pela quantidade de garrafas e pratos vazios, de tutu à mineira, não era pouca coisa. Muitas confabulações e juras, sem muita fé, de que ele voltaria para sanar o equívoco, não convenciam o gerente, que queria, já irritado, o pagamento da despesa. Elas, como última tentativa de negociação, já estavam propondo a entrega do sino como pagamento da conta, quando entra, esbaforido, porta adentro, o turista apaixonado em busca do sino dourado, para o deleite e a gargalhada geral da plateia.

Foto: Ilustrativa

Nenhum comentário:

Postar um comentário