Tínhamos chegado a Belo Horizonte, juntamente com Moema,
procedente de Ouro Preto (o
Pelourinho que deu certo), onde passamos 05 dias e estávamos em trânsito com
destino a São Paulo. Na capital
mineira ficaríamos o tempo suficiente para conhecermos o que o Guia Quatro Rodas e seus mapas
intrincados pudessem nos indicar, além do Centro da cidade onde nos hospedamos.
Chegamos cansados já no final da tarde e não mais sairíamos à noite,
limitando-nos a um tira gosto e algumas poucas cervejas no bar e restaurante em
frente ao nosso hotel.
Era sexta feira, início de noite, e o bar
apresentava um movimento discreto, mas com prenúncio de casa cheia e muitas
águas a serem roladas. Em pé no balcão, um senhor de cabelos grisalhos, com
aparência de visitante e muito falante, dispunha entre os copos e garrafas já
entornadas, algumas lembranças de Minas
como reproduções das obras do Aleijadinho
em pedra sabão e um grande e reluzente sino de metal dourado. Depois ficaríamos
sabendo que o bar tinha uma reputação de pau de galinheiro, funcionando como
ponto de mariposas noturnas em busca de abrigo, entre outras compensações. Não
demorou muito tempo e elas começaram a aparecer. Ficavam invariavelmente em pé,
por toda a extensão do balcão, com vista para a bem movimentada e larga
avenida. O traje pela sua explicitude era mais óbvio que uma Carteira de
Trabalho ou um currículo de atividades profissionais: bota cano longo, mini
saia curta, peruca de cabelos lisos, cigarro nos dedos e a sempre presente
bolsa a tiracolo. O senhor de cabelos grisalhos já pela bola sete e prá lá da Pampulha, logo se entrosou com as duas
companheiras de balcão ou foram às mariposas que se chegaram ao solitário e
alegre turista, tanto faz.
Enquanto isto, o samba de Gonzaguinha ecoava por todo recinto derramando tanto otimismo
quanto espuma dos copos de cerveja: “eu sei, que a vida podia ser bem melhor e
será/ Mas isso não impede que eu repita, é bonita, é bonita e é bonita./ Viver
e não ter a vergonha de ser feliz”. Vergonha era o que menos contava naquela
lambança mineira. O turista e as meninas já estavam no perigoso terreno do olho
no olho, mão na mão, pensamento nas nuvens, cochicho ao pé de ouvido, muita
risadaria e safadeza. Todo o restaurante já estava atento à desenvoltura do
animado trio. A musiquinha com o prefixo do “Jornal da Globo” trouxe o nosso personagem de volta a realidade. O
turista enamorado não se deu conta que as horas costumam conspirar contra os
apaixonados. O tempo do amor prescinde de segundos, minutos...
Sem que quase ninguém percebesse, e num
rompante digno de um maratonista, pagou a parte da despesa que lhe cabia,
recolheu as imagens dos profetas, os santos, o resto das quinquilharias em
pedra sabão e voou em direção a um táxi, estacionado na porta do bar,
esquecendo no balcão o reluzente sino.
As companheiras que não foram avisadas nem
notaram a sua saída, agora estavam sendo cobradas pelo gerente, o equivalente à
sua parte na farra. A julgar pela quantidade de garrafas e pratos vazios, de
tutu à mineira, não era pouca coisa. Muitas confabulações e juras, sem muita
fé, de que ele voltaria para sanar o equívoco, não convenciam o gerente, que
queria, já irritado, o pagamento da despesa. Elas, como última
tentativa de negociação, já estavam propondo a entrega do sino como pagamento da
conta, quando entra, esbaforido, porta adentro, o turista apaixonado em busca
do sino dourado, para o deleite e a gargalhada geral da plateia.
Foto: Ilustrativa
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