Quando se juntam músicos como o pianista Nelson Ayres e o cantor e violonista Renato Braz, cuja voz poderosa é um misto de Milton Nascimento e Ney Matogrosso, o resultado só poderia mesmo ser uma noite do mais puro enlevo musical, como se dizia em tempos de antanho. É esta dupla de grandes artistas brasileiros que se apresenta desde quarta feira até domingo dia 19 de agosto, dentro da programação da Caixa Cultural, aqui em Salvador. Aliás, esta é uma dentre tantas coisas que me fazem falta na cidade alegre, as apresentações da Caixa Cultural, a programação do Espaço Unibanco de Cinema, bem como o Palco Giratório no SESC Pelourinho com grupos teatrais e musicais de todo país, a preços populares, quando não gratuitos.
No show de ontem, às quinze horas já estava esgotada a lotação para uma distribuição de ingressos a partir das 14 horas e que tive que me submeter a uma lista de desistência, o que era previsível tal a instabilidade do clima por aqui, onde o sol e a chuva convivem harmoniosamente, se isto é possível. Lamento e agradeço pelos que desistiram e, nos proporcionaram e perderam uma noite agradável de música, sem chuva. Ainda restam três apresentações e tempo. Virem-se!
Nelson Ayres já tocou com grandes nomes da música americana e brasileira e hoje integra o grupo instrumental Pau Brasil elogiado e amplamente premiado onde se apresenta, assim como o Renato Braz. A canção que abre o espetáculo Nunca de Lupicínio Rodrigues leva o interprete a uma modulação vocal entre duas frases iniciais da canção que nunca (mesmo!) tinha ouvido em grandes interpretes desta canção, como Zizi Possi. São detalhes perceptíveis ao ouvido, mas sem tradução verbal. Manias de um ouvido viciado em sons durante tanto tempo, e que de modo involuntário capta nuances nas interpretações de grandes vozes. Outra surpresa foi a canção, segundo o próprio Renato, pouco conhecida de Caymmi, que ouvi apenas uma vez na voz de Nana Caymmi, que é Desde ontem. Compreende-se porque o velho Dorival precisou de oito anos para concluir os versos finais de João Valentão, já que as joias precisam deste tempo de lapidação para se tornarem raras, foi assim também com Desde ontem.
Pensei que a recente interpretação de Melodia Sentimental de Villa Lobos, por Djavan, fosse um dos grandes momentos proporcionados pela canção a um bom interprete, mas Renato Braz rouba a cena impondo um matiz original a modinha do grande músico o que ela não mais necessitaria para ser a grande música que é. E assim vai seguindo o piano de Nelson, a voz e às vezes o violão de Renato Braz em canções como Esmeralda (lá vai Esmeralda casar na igreja) a que o pianista acrescenta uma história que tinha passado por mim despercebida. Que é a do cara apaixonado e preterido que torce para que na vida de Esmeralda dê tudo errado. Que o padre não apareça, não tenha orquestra, que os anjos não cantem e o povo não venha para ver Esmeralda sair da igreja nos braços de outro que não é seu bem. Quem devia casar com ela era eu, sim senhor. Coitada de Esmeralda, um espírito obsessor ranzinza em seu encalço durante todo este tempo. Mas Beatriz, Por toda a minha vida, A Bela e a fera, Ponteio vieram salvar, como se fosse preciso, uma note musical ímpar. Salve Nelson! Salve Renato!
Foto: Renato |Braz
Foto: Renato |Braz
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