sexta-feira, 3 de agosto de 2012

Se eu quiser falar com Deus.


Os compositores Caetano e Gil em determinados momentos de suas carreiras colocaram seu talento a disposição do Rei, através de canções que ele aceitou e gravou outras não, conforme a sua identificação musical ou sua incapacidade em compreender e aceitar a ousadia de certos versos. Na empreitada Caetano foi mais feliz ou o foi o Rei que colocou a sua voz em canções que se tornaram emblemáticas na sua carreira, fugindo um pouco à lenga-lenga de seu romantismo pegajoso. Os poucos que se aventuraram a gravar as canções que Caetano compôs especialmente para a voz do Rei tiveram suas interpretações aquém daquilo que o Rei já tinha explorado e concebido para os versos do tropicalista. Talvez em Como 2 e 2, Gal tenha ido além do que o Rei conseguiu, mas em Força estranha e Muito Romântico o Rei reina (desculpe a redundância, necessária)absoluto ao afirmar de modo mais que convincente “em outras palavras, sou muito romântico”, o que já estávamos quase careca de saber. ´

Já com Gil se deu diferente. Tendo o Rei feito o pedido de uma canção para ele gravar, Gil ficou procurando o tema e o tom para cantar ao aceitar a encomenda real. Como o Rei era e continua sendo religioso, embora hoje menos praticante que antes, após certos dissabores com amores perdidos, Gil procurou falar de Deus. Não de um Deus vivo, presente em orações e meditações religiosas, mas um Deus diante do vazio, das incertezas da vida, das indagações sem respostas, de uma busca longe dos templos e dos andores. Destas reflexões surgiu “Se eu quiser falar com Deus” que o Rei evidentemente rejeitou e não gravou, sem maiores explicações.

Na verdade, a beleza escondida nos versos da canção de Gil, prá ser buscada e encontrada tem que ter “aquilo roxo”, que evidentemente não é o caso do Rei, que como uma espécie de anjo barroco daqueles que ornam os pés das imagens da Virgem Maria, está mais prá “bumbum de bebê”. Melhor assim, pois coube ao próprio Gil e a insuperável Elis, dar à canção o rumo certo, o caminho das pedras para um dos momentos antológicos da música brasileira: Se eu quiser falar com Deus/Tenho que aceitar a dor/Tenho que comer o pão/Que o diabo amassou/Tenho que virar um cão/Tenho que lamber o chão/Dos palácios, dos castelos/Suntuosos do meu sonho/Tenho que me ver tristonho/Tenho que me achar medonho”.

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