domingo, 24 de novembro de 2013

Murro em ponta de faca.

Desde as cenas iniciais senti que choraria e, chorei. E veio em minha cabeça a frase de uma das canções “carro chefe” do Rei: “se chorei e se sofri o importante é que emoções eu vivi”. Sei não! É tudo muito mais, para quem viveu tempos tão turvos como aqueles descritos por Augusto Boal na peça “Murro em ponta de faca” em cartaz na Caixa Cultural e que trata das agruras de um grupo de exilados, como ele foi, em sua vida errante de enjeitado em seu país e por países latinos onde buscou abrigo.

O exílio reúne iguais no desterro, mas tão desiguais nas situações que os fizeram parte de um mesmo contingente, por razões ideológicas ou mero acaso de estar no momento certo, talvez, em lugares nem tanto. Assim, como o militante de esquerda revolucionário se vê de repente sob o mesmo teto de uma deslumbrada fútil, esposa de um professor alienado alheio ao novo mundo que se abriu tão bruscamente em sua vida. Opostos, mas unidos pela rejeição impostas pelo seu país às suas presenças como cidadãos, após o golpe militar de 64. É angustiante o clima, a desesperança, o sempre ansiado dia da volta que se torna cada vez mais distante, já que os países onde procuraram abrigo estavam passando por transformações tão ou mais radicais que aquelas vividas no Brasil e que determinou suas expulsões, suas fugas.

Augusto Boal, um inquieto e criativo homem de teatro, falecido em 2009, foi um desses brasileiros jogados ao mundo pelos militares e seu obtuso e cruel modo de conviver entre desiguais, embora irmãos. Boal fala de uma experiência própria já que ele também fora um exilado, mas sem perder a graça, o humor como ingrediente a driblar a solidão, a falta de seus amigos, de sua casa, discos e livros, de seu país.

É este universo sufocante o que o Grupo Espaço Cênico, de Curitiba, apresenta até hoje na Caixa Cultural, sob a direção do ator Paulo José que escreve no folheto de apresentação da peça um texto emotivo exaltando a figura de Boal e do jovem grupo de atores. Um trabalho que embora possa ser datado, pelo tema, pela situação, mas que se torna  indispensável como um crime contra a democracia que não pode se repetir, que não permitiremos este passo atrás, bastando o exercício cotidiano de nossa cidadania e conhecimento de nossa história. É quase didático para as novas gerações e para nós que vivemos o negror daqueles tempos ruins. “Já raiou a liberdade, no horizonte do Brasil”. 

Foto: Elenco curitibano de "Murro em ponta de faca".     

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