Leite derramado

Em um sebo de livro no Shopping Piedade, no último final de semana, descobri um exemplar do livro de Chico Buarque, o Leite Derramado, que foi a minha companhia de volta à “cidade alegre” na segunda feira pela manhã. Impressiona como em Budapeste, seu penúltimo livro, o grande domínio do autor com as palavras, com a construção de frases o que não vem a ser novidade para quem acompanha a sua carreira de compositor há tanto tempo. Ainda que na literatura não haja espaço para a rima, a métrica, o verso livre, mesmo assim as frases de um livro carecem de uma cadência, de um ritmo que as palavras bem colocadas já trazem implícita esta sonoridade, seu próprio ritmo.

Quanto ao Leite Derramado é o relato de um ancião em um leito hospitalar que vai desencadeando lembranças familiares que passeiam por períodos de nossa história que vão do Império, a escravidão, até aos costumes de nosso tempo como a “moça de barriga de fora e brinco no umbigo”. A narrativa vai fixando personagens que se contrapõem até pela memória conturbada de seu narrador, mas que prende o leitor pela fluência do texto e pelo humor meio cruel que surge em certos momentos destas reminiscências, tendo sempre como pano de fundo a nossa história.

Sexta feira próxima, dia 14, Chico lança o seu mais novo livro “O irmão alemão”, pela editora Companhia das Letras, mas pouco se sabe sobre a obra a não ser um vídeo em que ele aparece lendo trecho do novo livro, disponível no Youtube. Já se sabe que não haverá noite de autógrafos, lançamento, festa enfim, quem sabe temendo represálias de “coxinhas” perdedores inconformados e capazes de gestos fascistas como se tem observado nestes tempos de ódio, preconceito e discriminação.

Espero que até lá já tenho sorvido o Leite Derramado em minha desorganização na leitura compulsiva, onde cabe o jornal, a revista, o livro, textos da internet, blogs que acompanho, outro jornal, a mesma revista, um novo disco, a volta ao Leite Derramado que me espera na cabeceira da cama.

Foto: O novo livro de Chico Buarque