sexta-feira, 6 de fevereiro de 2015

Um folião fora do esquadro


Um dos Chefes de Divisão do Departamento de Contabilidade do banco do estado onde trabalhamos, por muitos anos, poderia, fora dos padrões bancários, ser um militar linha dura, um executivo inacessível, um motorista de ônibus em Salvador, um jogador de futebol, para quem da clavícula prá cima, ainda era joelho, ou nenhuma das opções anteriores. Mas, o nosso saudoso Walter Quirino, um mal encarado afável, não era nada disso, pois fazia e dava sentido crer na máxima que diz “por trás de uma cara feia, há sempre um bom coração” ou simplesmente que “as aparências enganam”. Embora onde estivesse, procurasse prevalecer um espírito burocrático de bancário convicto que era, em que as normas e os costumes têm que ser obedecidos.  

Era o que se depreendia de sua participação no bloco Os Internacionais, quando esta agremiação carnavalesca vinha para Avenida, trazendo seus integrantes com indumentárias vistosas e reluzentes, botas cano longo, plumas, paetês, perucas, chapelões entre outros adereços, numa frescura inimaginável ao nosso Quirino, no bloco sem a presença feminina entre os foliões, mas de muito macho. Logo cedo nas imediações do “Quartel dos Aflitos” a concentração do bloco, os “internacionais” já transitavam arrastando sua fantasias para o desfile a partir das 10 horas de domingo, da Casa d’Itália até a Praça da Sé, em que o horário do desfile não era cronometrado, mas era como se fosse.

Ao meio dia, onde o bloco estivesse, Quirino abandonava seus iguais e voltava para sua casa na Daniel Lisboa, em Brotas. Ali já estavam Tereza e a prole em volta de uma irrestível, moqueca, mocotó, feijoada, dobradinha ou maniçoba de uma quituteira irrespreensivel que ela era. Em um prato que se assemelhava a uma bacia, Quirino se servia e procurava a cama do casal para ali espalhar os seus quase 100 quilos que logo passariam a 102 e encarar o cardapío do dia. O suor dos dias quentes de fevereiro descia em correnteza de seu rosto e escorria pelo peito, barriga e adjacências, mesmo com os abanos de Tereza e filhos, todos em volta do leito de um folião prostrado e, dentro de instantes pronto para o segundo tempo da folia. 

A cena, mesmo sabendo de ouvir contar, caberia num romance de Jorge Amado transposto para o cinema, assim como Quincas Berro d’Água, Tenda dos Milagres ou O amuleto de Ogum sendo ele personagem dele mesmo, o colega e amigo saudoso, Walter Quirino.

Foto: Carnaval de Salvador - Anos 70

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