quarta-feira, 10 de dezembro de 2014

De volta às águas de sua insignificância



Após a prisão de Gil e Caetano, em 1969, e o convite formulado pelos donos do poder e das consciências nacionais, foi concedido a eles como última “gentileza” o direito de gravar um disco antes de seguirem prá Londres. Os discos foram gravados em um pequeno e modesto estúdio em Salvador e as fitas depois foram lavadas para a gravadora, em São Paulo, e lá receberam os arranjos pelo maestro Rogério Duprat, com o acréscimo dos instrumentos necessários para a conclusão dos trabalhos.

O disco de Caetano, é aquele de capa branca com sua assinatura e contendo canções inesquecíveis como Irene, Os argonautas, Marinheiro só, Carolina, Chuvas de verão, enquanto o de  Gil com temática futurista em suas composições, Cérebro eletrônico, Dois mil e um, Cultura e civilização, trazia o samba Aquele abraço que se tornou um grande sucesso nacional. Tanto que tocou a instituição do Museu da Imagem e do Som, sediado no Rio, que distinguia seus escolhidos com o troféu Golfinho de Ouro. Não devia. Gil já estava em Londres, quando soube da homenagem e em uma carta ao Pasquim, puto da vida, mandou que o golfinho retornasse às águas de sua insignificância entre outros desaforos:

Um golfinho de mares cariocas resolve tirar o meu sossego ajudado pela ingenuidade ou pela burrice de meia dúzia de pessoas que de repente resolvem achar importante o fato de eu aceitar ou não um prêmio que me deram. A velha mania brasileira de se meter nos problemas domésticos do vizinho. Mesmo se o cara mora na Inglaterra.

Claro que eu não acredito nesse prêmio. Pelo que me é dado saber o museu continua o mesmo e, portanto eu continuo contra e recusar o prêmio é só pra deixar isso bem claro. Se ele pensa com Aquele Abraço eu estava querendo pedir perdão pelo que fizera antes, se enganou

E que fique claro para os que cortaram minha onda e minha barba que Aquele Abraço não significa que eu tenha-me "regenerado", que eu tenha me tornado "bom crioulo puxador de samba" como eles querem que sejam todos os negros que realmente "sabem qual é o seu lugar".

Por isso talvez Deus tenha me tirado de lá e me colocado numa rua fria e vazia onde pelo menos eu possa cantar como o passarinho. As aves daqui não gorgeiam como as de lá, mas ainda gorgeiam”.

Foto: Gil em Londres

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