quinta-feira, 4 de dezembro de 2014

Senhora das nuvens de chumbo - Iansã

Minha última experiência com a festa de Iansã foi um temporal, uma saraivada de raios no ar, não tive as graças, nem a proteção de Santa Bárbara, mesmo tendo passado na igreja, vestido camisa vermelha e recebido passe de uma mãe de santo. Transitava sem sobressalto pelas proximidades do Mercado de São Miguel, quando avistei ao longe a procissão se dirigindo em direção ao Mercado. A Baixa dos Sapateiros já apresentava uma movimentação inquietante e frenética que qualquer detector de vagabundo sinalizaria a área como conflagrada de maloqueiros.

Procurei abrigo em uma loja, mas fui gentilmente dispensado pelo seu funcionário sob a alegação de que cerraria as portas, temendo o tumulto, decisão, aliás, que também tomaria se fosse comerciante daquela área próxima ao Mercado. Tentei me afastar o quanto pude do local onde estava, tirei a carteira do bolso e pus na pasta, com documentos, que carregava e a comprimi sobre o peito, já estando na calçada. Separei R$20,00 e coloquei no bolso do lado direito da calça, o mais profundo possível em uma calça apertada, face alguns quilos que vinha ganhando nos últimos tempos, por falta de uma dieta que tempos depois seria obrigado a fazer.
A multidão crescia, os vagabundos fervilhavam e eu cada vez mais pressionado sobre a parede em meio a pedidos de desculpas que faziam parte do achaque, com tons de civilidade. Entre todos e tantos empurra-empurras consegui, com muito esforço, me desvencilhar daquela turba, misto de fieis e maloqueiros, e respirar ares de liberdade e de desejo de uma gelada. Ao tentar puxar os R$20,00 do bolso frontal da calça fui surpreendido com a sua ausência e a constatação que tinha sido roubado por aqueles religiosos 171. 

Ainda hoje imagino a habilidade daquelas mãos, já que em nenhum momento senti estar sendo bolinado e, se além da grana tivessem também levado o saco, só notaria quando fosse ao sanitário no Bar de Dona Val, na Barroquinha. Eparrei Iansã!  

Foto: Ilustrativa

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